Colégio da Trindade - Casa da Jurisprudência da Universidade de Coimbra
Aires Mateus são os autores do projeto de reconstrução do Colégio da Trindade para a instalação da Casa da Jurisprudência da Universidade de Coimbra. Uma intervenção de grande rigor e pureza de desenho.
O Núcleo de Arquitetos da Região de Coimbra (NARC) promoveu uma visita à obra do Colégio da Trindade - Casa da Jurisprudência 11fev2017. A visita foi guiada pelo arquiteto César Cerqueira do Gabinete para as Novas Instalações da Universidade de Coimbra.
Podemos, assim, deixar-vos algumas imagens de mais um projeto de excelência assinado pelos arquitetos Aires Mateus.
Enquadramento histórico
O Colégio da Trindade situa-se em plena Alta de Coimbra. Ocupa por completo um quarteirão ao cimo da Couraça de Lisboa, junto ao Paço das Escolas.
© Alexandre Miguel
A construção teve início em 1562, para servir a Ordem da Santíssima Trindade. Era assim composto pela igreja, áreas para o ensino e dormitórios dos religiosos. A cércea não ultrapassava a cota do Paço das Escolas.
Posteriormente, o Colégio da Trindade teve diferentes ocupações que o foram desvirtuando e mutilando. Foi então quartel de tropas inglesas durante as invasões francesas e uma carpintaria. Para quem estudou em Coimbra associa-o ao “Pratas”, uma tasca muito frequentada pelos estudantes, que ocupava uma pequena parte da lateral do edifício. O estado de abandono a que foi sendo submetido culmina na derrocada da igreja em 1988.
Em 1999 a Universidade liberta o edificado de usos residuais e elabora então um estudo sobre o edifício e o seu estado de conservação (1). Mais tarde, promove um concurso para a elaboração do projeto de reconstrução que é ganho pela dupla de arquitetos Aires Mateus. Em 2014 inicia-se a obra.
© Jorge Paulo Correia
Colégio da Trindade – Casa da Jurisprudência
O projeto de reconstrução da ruína do Colégio da Trindade e a sua adaptação à Casa da Jurisprudência da Faculdade de Direito é da autoria dos arquitetos Francisco Aires Mateus e Manuel Aires Mateus.
Exterior
Por fora, a volumetria e fenestração do edifício preexistente são regra geral preservadas. O uso da cor branca faz realçar o portal da fachada principal, em pedra, ladeado por colunas dóricas e encimado por uma grande cruz templária. A cor da caixilharia é semelhante à cor da pedra das cantarias.
© Ana Escada
Ainda no exterior, de imediato, salta à vista a cobertura em pedra. É assim uma atitude arrojada numa envolvente em que predomina a telha.
Na verdade este edifício foi pensado para ter um quinto alçado: a cobertura. Facilmente vista a partir do Paço das Escolas, foi desenhada ao pormenor. As pedras de lioz que revestem os diferentes planos inclinados que a compõem, como se de uma fachada ventilada se tratasse, obedecem a uma rigorosa métrica que percorre todo o edifício. A cobertura é claramente um elemento diferenciador.
© Ana Escada
© Jorge Paulo Correia
O conjunto edificado é assim composto por três corpos. A igreja, um corpo organizado em torno do claustro e um terceiro corpo que conforma um pátio em U aberto a sul. A entrada principal faz-se pelo nártex da igreja.
Também a diferença de cotas foi sabiamente resolvida e explorado o seu potencial, garantindo privacidade aos espaços e uma boa exposição solar.
Interior
No interior lê-se o gesto minimal que caracteriza a arquitetura dos Aires Mateus. Foram assim limpas adições, mantendo-se a essência.
O uso da pedra e da cor branca conferem um caráter unitário a todo o conjunto. Verifica-se portanto uma coerência entre interior e exterior, entre novo e preexistente.
Percorremos os vários espaços, atentos aos detalhes.
Igreja: um espaço dignificado
A igreja é de nave única com cobertura de abóbada de berço e capelas laterais a sul. Na lateral do antigo altar podem observar-se elementos em mosaico, que se tentaram preservar, e que correspondem em dimensionamento aos vãos da parede oposta. A tonalidade da pedra, das cantarias e do chão polido, joga harmoniosamente com o cinzento claro das paredes e da abóbada. É assim um espaço que foi dignificado e nos faz esquecer que esteve em ruína.
© Ana Escada
1º piso: AS caixas dentro da caixa
Subimos ao primeiro piso e percorremos corredores que conduzem aos gabinetes. À semelhança de outras obras dos Aires Mateus os novos corpos não tocam nas paredes preexistentes. Funcionam portanto como caixas dentro de uma caixa.
A luz entra por claraboias e rasgos longitudinais. Percorrem assim o perímetro das novas volumetrias e reforçam a separação entre contemporâneo e preexistência.
© Ana Escada
Pátio
Acedemos ao pátio, uma placa relvada, pontuada por árvores, exposta a sul e à paisagem, onde apetece ficar a apanhar sol. As antigas cisternas funcionam como objetos escultóricos no espaço. A cota sobrelevada relativamente à Couraça de Lisboa confere privacidade. Por outro lado, a escala contida deste edifício contrasta com a volumetria dos edifícios das outras faculdades, obra do Estado Novo.
Varandim com vista panorâmica
Um varandim com vista panorâmica sobre a cidade e o rio permite aceder à cobertura. Percebemos que a métrica usada na pedra se estende ao pavimento num desenho de grande detalhe e rigor. Cada pedra funciona assim como uma peça de um puzzle, onde tudo encaixa na perfeição.
© Ana Escada
Claustro
De volta ao piso térreo, no centro do claustro, com pavimento de pedra, lemos novamente a métrica. A transição entre as paredes e a cobertura faz-se por um rasgo de vidro, que percorre todo o perímetro do claustro. Assim temos: reboco, vidro, pedra.
© Alexandre Miguel
© Ana Escada
De volta ao exterior, o detalhe do desenho
Saímos e ficamos cá fora a ver detalhes das fachadas. Percebemos que a leitura de caixas que vimos no interior é igualmente demarcada em alçado. Somos levados a ir explorar outros pontos de vista. Buscamos uma perspetiva de cima, a vista do quinto alçado. Primeiro do Paço das Escolas depois, ainda mais de cima, da cobertura do edifício do Departamento de Física (foto de capa), ao qual amavelmente nos permitiram aceder.
© Jorge Paulo Correia
O projeto de reconstrução do Colégio da Trindade constitui portanto um exemplo paradigmático de integração urbana e paisagística, numa área classificada como Património Mundial da Unesco.
Bibliografia
(1) Lobo, Rui Pedro – O Colégio da Trindade: Estudo do edifício e levantamento da situação actual. 1999 – Biblioteca do Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra
Agradecimentos
Ao NARC, ao arquiteto César Cerqueira e à engenheira Cláudia Alves pela visita guiada à obra.
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