A cidade do séc. XIX

O urbanismo do séc. XIX está associado às realizações produzidas durante a segunda metade do séc. XIX. Formalmente constitui uma continuidade relativamente ao período barroco mas é inovador criando novas formas que resolvem os problemas causados nas cidades pela industrialização.


Urbanismo oitocentista


A segunda metade do séc. XIX é um período de intensa atividade urbanística na Europa. As principais cidades europeias sofrem transformações que alteram significativamente a sua fisionomia.

A produção urbanística oitocentista caracteriza-se por uma continuidade na utilização das regras de composição de espaço barrocas, e por uma vertente técnica, com a criação de um conjunto de regras que controlam e regulam o crescimento da cidade.

O aparecimento de novas armas, como o canhão, e a evolução das estratégias militares, nomeadamente a mudança do local de batalha para fora do perímetro fortificado, fazem com que as muralhas percam a sua função defensiva e, consequentemente, se proceda à sua demolição. A cidade deixa então de ser entendida como uma entidade fisicamente delimitada.

Durante o séc. XIX o urbanismo assume-se como uma disciplina autónoma, tentando resolver os problemas criados nas cidades pela industrialização e pelo forte crescimento demográfico. A urbe de meados do séc. XIX apresenta deficiências a nível das infraestruturas, equipamentos e habitação, além de graves problemas sociais, uma vez que a maior parte da população vive em condições precárias.

O avanço da ciência verificado na segunda metade do séc. XIX introduz novas preocupações com o ambiente urbano. É demonstrada a importância da luz solar e do ar puro no tratamento de doenças e enquanto sinónimo de qualidade de vida. A medicina introduz a noção da necessidade de limpeza e higiene pessoal.

A nível arquitectónico introduzem-se algumas modificações no desenho das edificações. O projeto de um edifício passa a promover uma boa iluminação e arejamento dos seus espaços interiores. A ideia de necessidade de higiene pessoal traduz-se na criação de uma divisão própria para essas atividades - a casa de banho.

Foi igualmente implementado o saneamento, um sistema de recolha de lixo doméstico, iluminação pública e uma rede de transportes públicos, sendo da responsabilidade do Município.


E fez-se luz... Lisboa, séc. XIX

O aumento da área urbana deve-se à concentração nos subúrbios das classes médias, motivadas por uma procura de melhores condições de vida, terrenos mais baratos e porque a evolução dos meios de transporte urbano lhes permite aumentar a distância casa-trabalho. Também a industria e os bairros operários são empurrados para a periferia, que se transforma numa cintura habitacional e industrial.


As áreas centrais da cidade são ocupadas por comércio, serviços e bairros residenciais da alta burguesia. São também introduzidos elementos morfológicos que correspondem ao ideal oitocentista tais como: jardins, parques, alamedas, passeios públicos, avenidas e boulevards.

As avenidas e os boulevards são um dos elementos mais importantes da cidade do final de oitocentos, uma vez que para além de esteticamente corresponderem ao ideal da nova burguesia constituem um elemento infra-estruturador e de embelezamento urbano.



Em suma, a cidade dos finais do séc. XIX apresenta duas faces: de um lado os bairros operários com condições de vida precárias e do outro as áreas urbanas qualificadas onde reside a burguesia.

As grandes referências do urbanismo oitocentista são a intervenção de Haussmann em Paris e a de Cerdá em Barcelona. Os planos para estas cidades assentam em princípios racionalistas, ou seja, são utilizados elementos geométricos como a linha recta ou o traçado ortogonal para ordenar o espaço urbano e simultaneamente modernizar a sua imagem. As vias de comunicação são, assim, os principais elementos de organização espacial.


Também noutras grandes cidades europeias tais como Viena, Florença e Londres é utilizado um método racional na transformação dos seus centros.

Plano do ring de Viena 


O urbanismo português sofre a influência destas duas escolas.

A cidade portuguesa do séc. XIX

À semelhança das cidades europeias, a urbe portuguesa dos finais do séc. XIX apresenta problemas relacionados com a habitação, circulação, transportes e falta de infraestruturas urbanas. Embora em Portugal se registe um grande crescimento demográfico, este é menos visível do que nos restantes países europeus devido a uma forte emigração para as Américas. A população concentra-se ao longo da faixa litoral do país e sobretudo em dois centros urbanos, Lisboa e Porto. O ritmo de crescimento demográfico nas restantes cidades é mais lento.

Nos finais do séc. XIX afirma-se a classe burguesa, ligada aos progressos da indústria, às atividades bancárias e ao comércio com as possessões africanas. O progresso económico registado proporciona um aumento do investimento particular no sector imobiliário e do investimento público na criação de várias infraestruturas e equipamentos, como a abertura de novas ruas e jardins.

O Governo sofre pressões no sentido de dar um maior apoio técnico e financeiro às operações de requalificação urbana. Pretendia-se o embelezamento da cidade, visando uma melhoria estética e simultaneamente melhorar a sua funcionalidade.

Com vista a satisfazer estas exigências é criado o Ministério das Obras Públicas e, em 1865, é lançada a figura dos Planos Gerais de Melhoramentos, a serem obrigatoriamente elaborados para as principais cidades do país. Este diploma regulamenta questões ligadas à higiene e circulação, o arranjo do espaço público e a salubridade das edificações. As vias deveriam ter uma largura mínima de 10 metros e um declive máximo de 7%. Regulamenta-se também o estabelecimento de cérceas atendendo à necessidade de luz e ventilação. Refere-se ainda a obrigatoriedade de criação de uma rede de abastecimento de água e de drenagem dos esgotos.

Baseados no modelo haussamaniano são criados, nas principais cidades, grandes eixos visuais, as avenidas, que ordenam o crescimento urbano. Estas para além de melhorarem as condições de circulação constituem locais de passeio e convívio da população.

Em Lisboa, o rasgamento da Avenida da Liberdade, na segunda metade do séc. XIX, constitui a espinha dorsal de um vasto programa urbanístico delineado por Frederico Ressano Garcia. O plano prevê a construção de um conjunto de avenidas que facilitem a circulação e sirvam de suporte à criação de novos bairros residenciais para a média e alta burguesia. A Avenida da Liberdade tem uma vocação habitacional, destinando-se os lotes a prédios de arrendamento ou a habitação própria. A mova burguesia ocupa esta área devido à proximidade ao centro terciário - a Baixa Pombalina. É importante realçar o papel da Avenida como local de passeio e convívio, sendo também palco de acontecimentos públicos, afirmando-se, portanto, como espaço público urbano.




Já no início do séc. XX, no Porto, a abertura da Avenida dos Aliados corresponde a um desejo de reestruturação da cidade existente. Esta artéria, devido ao seu carácter monumentalista, converte-se no novo símbolo da cidade, representativo do poder político, social e económico.


Avenida dos Aliados, Porto - Plano de Barry Parker

Noutras cidades portuguesas por influência do que se fizera na capital são igualmente rasgadas largas avenidas, que em alguns casos estão associadas à ligação entre o centro urbano e a nova estação de comboios, o novo meio de transporte.


0 Comentarios